Toca aqui, bem fundo, no meu coração. Deixa-me apenas com esse último fôlego, em que te direi 'Amor'...

para depois alcançar a eternidade da solidão


Diriges-te a mim.

Hipnotizas-me com teu sorriso, com tuas suaves gargalhadas, com tuas divertidas e absorventes palavras. Apenas te sigo com os meus sentidos, iludidos, maravilhados.

Nesse momento, dir-te-ia que és tudo, que tens tudo.

Nesse momento não hesitaria sequer em marcar-te na minha mente, por essa tua felicidade extrema , por essa robustez da tua confiança, pela excentricidade plena das tuas feições.

Concentro-me para tentar reter todos esses pormenores intrigantes que tão bem te delineam...

E eis que pela primeira vez, te enfrento com meu olhar.

E tu, que outrora me pareceras tão forte, tão corajosa... Desistes, simplesmente, de lutar contra a corrente de pensamentos profundos que meus olhos emanam, fugindo para esse teu abrigo, nessa só tua dimensão, como um pequeno e inocente animal ferido.


Olhas pela janela. O vidro embaciado com teu suave perfume, nuvens vítreas envolvem teu rosto angélico.

Tentas perceber, tentas entender o eco dos teus olhos, difuso nas irregularidades dessa vida, que reflecte normalidade, perfeição.

Não recebes resposta, nunca recebes resposta.

Observo com minúcia teu olhar confuso e frágil. Uma onda de compaixão assola-me e rebenta nas conturbadas curvas das minhas emoções.

Estendo-te um pedaço de mim, onde te possas agarrar, onde possas sobreviver.

E tu recusas-te.

Recusas-te a aceitar esse sentimento tão pedante que é a pena. Recusas-te a não saber espremer por ti mesma a importância daquilo que, por direito, é teu .

Aquilo que é, somente, teu.



Somos únicas neste Mundo. Afogámo-nos na mesma dúvida, na mesma incerteza do que é viver, do que realmente é ser.

Todos os momentos, todos os sonhos, todas as palavras.
Tudo parece tão distante, mas tão próximo do meu coração.
Pergunto-me se não terá sido uma ilusão. Pergunto-me o que teria acontecido se tivesse dito não essa palavra, mas a outra. Teria tido mais significado?
Um aperto segue-se ao pensamento.
Vagueio agora pelas ruas da inexistência. Ando perdida, sem rumo, só me resta deixar-me levar, à espera que o destino me encaminhe. Resta-me apenas confiar nesse que tanto me magoa, mas que tanto me pode surpreender.
Inesperadamente esse leva-me ao ponto de partida:
E se…? E se…?
Todos esses ‘E’, todos esses ‘se’… Repetições infundadas que acabam com cada batimento, com cada esperança, com cada faceta minha, apenas deixando um ‘Eu’ não fragmentado, apenas um ‘Eu’ que eu não sou.
Tento lembrar-me de respirar para não sufocar nesta angústia, tento lembrar-me que o tempo leva consigo todas essas mágoas, esbanjando-nos com novas oportunidades, apenas tento.
Passo desenfreadamente a mão por todos os cantos do meu corpo e fico subitamente aliviada. Pensara que me tinha desmanchado em mil pedaços, pronta a ser arrumada na gaveta do esquecimento, mas não, foi apenas meu coração que se despedaçou, apenas meu coração. Minha alma, meu corpo, meu intelecto continua intacto.
Porquê?

Não teria sido menos doloroso aniquilar tudo de um só golpe? Preferia isso a esta tortura lenta e agressiva…

Só me resta agora esperar pelo antídoto.
Só me resta ver essa luz para mim invisível neste presente sombrio.



Só me resta, simplesmente, isto.