'Ana' lepse

(Analepse de dois anos...)
Lembro-me do cheiro a uma nova vida.
Eu era eu, quem sonhava ser.

Conheci-te, julguei eu. Cresci contigo, admirei-te. Fazias-me eufórica, segura. Fizeste-me acreditar. Pegaste-me na mão e, simplesmente, deixei-me levar.

Falaste-me em puro amor, em plena amizade. Eu gritei a todo o Mundo essas palavras, até sentir o eco das tuas.

Em conjunto contigo, outras pessoas me preencheram também.

Lembro-me das brincadeiras, das conversas, de todos esses momentos preciosos. Cheguei a acreditar que era igual, importante.

Entreguei todo o meu coração, tudo.

... (Férias de Verão)


Lembro-me de chegar e não ver nada no mesmo sítio. Tudo mudara. Eu mudara.


Procurei, deambulei, desesperei. Acreditei quando dizias que era apenas EU, que bastava apenas mudar e ser quem outrora fora. Tentei fazê-lo, tentei dizer o mais certo, tentei não ter medo, tentei amar outra vez.

Cheguei a sentir ciúmes da Raquel sonhadora, descontraída, desbocada. Essa que toda a gente andava à procura. Essa que sabia o que fazer, comparada comigo, que nunca fazia o mais correcto.

Comecei a odiar-me, comecei a odiar-te e ainda a odiar-me mais por isso.


E cada vez me senti mais longe, menos eu. Como um fantasma preso no mundo material, apenas assistindo.

Cheguei a cair sem forças de tanto chorar. Cheguei a desejar morrer, para não sentir a minha cabeça a explodir de tanto medo, insegurança, de tanta dúvida.

Medo de acabar sozinha. Medo de não ser boa pessoa. Medo de perder quem eu mais amava, medo de já ser tarde para mudar, para os recuperar.

Sonhei mil maneiras de te perder. Treinei mil rancores ao espelho, que demonstrassem a indiferença ao perder-te, que me tirassem este peso de cima, estas culpas, e que as atirassem para cima de ti.
Mas quando estava contigo, voltava a tentar. A tentar amar-te, a tentar que me amasses. A tentar ressuscitar.

Mas não consegui. Não consegui simplesmente dar-te mais. Não consegui confiar, não consegui estar lá, não consegui.

Esqueci-me de como sorrir, de como ser espontânea.

Esqueci-me de quem eu era.


E no fim acabei por te perder... pensei eu.

... (Férias de Verão, nova escola)


'Lembro-me do cheiro a uma nova vida'

Eu era apenas uma cara nova. Uma ficha em branco que podia preencher à minha maneira ou nem preencher de todo.

Queria apenas ser feliz, queria apenas passar despercebida e não amar outra vez. Queria apenas não me magoar novamente.

Agarrei-me vezes sem conta a vocês, amigos do antigamente, sufoquei-vos de tanta força que fazia para que não me deixassem cair.

Quantas e quantas vezes, eu me perguntava o que viam em mim? O porquê de me amarem tanto? O porquê de acreditarem?

Eu tentei. Eu lutei, mesmo não acreditando.

Eu li livros, recorri a todas as ajudas possíveis, eu tentei quase todos os métodos viáveis, eu observei e tentei aprender com tudo à minha volta.

Comecei novamente a amar, comecei novamente a sorrir. Comecei a acreditar, comecei a ser sincera comigo. Comecei novamente a soltar-me, comecei a vencer as inseguranças, comecei a ser eu.

E agora tudo me parece tão simples. Agora sei que não mudaria nada, agora agradeço todos os dias por vos ter conhecido.


Mas verdade é que a luta ainda não acabou. Todos os dias me sinto a mudar, todos os dias aprendo algo novo. Todos os dias faço algo acertado e todos os dias erro.

Orgulho-me ao ajudar um amigo, orgulho-me ao dizer a palavra certa. Orgulho-me de saber que sou importante para alguém, que posso mudar a vida de alguém para melhor.

Agora sei que sou boa pessoa. Agora sei que TU perdeste.

Sei também que vou continuar a perder amizades, mas em contrapartida ganharei muitas mais e ainda mais especiais.

Sei que não sou perfeita e irei errar toda a minha vida, talvez cometa até os mesmos erros, mas o que interessa é lutar, é amar, é desistir quando algo nos faz mal. O que interessa não é o Destino, mas o caminho até ele.



Agora pergunto-me, quem sou eu?

Eu sou aquela que nunca esteve só.